Chove. O luar escorre pelos telhados.
A cidade é como um dragão de um parque temático abandonado. A sua pele é feita de múltiplos materiais, impermeáveis, em forma de ondas e escamas: pedaços de cerâmica, ardósia e chapa, ritmicamente sobrepostos, que protegem o corpo multiforme da água que cai sobre ele. Telhas molhadas transformam-se em vidros delicados, numa versão sólida e geométrica da chuva, transparência suspensa e frágil que inunda os interiores vazios com uma luz de água cristalizada. Chove ainda. A chuva bate nas claraboias, resvala pelas águas dos telhados, chapinha nas caleiras, é levada em turbilhão pelos tubos de queda ao longo das fachadas. Depois estatela-se nos passeios, escorrega pelas juntas do granito e jorra pelas grelhas dos lancis para as condutas subterrâneas, deixando para trás o parque aquático de inverno em que a chuva transforma a cidade.