Regressas na memória à rua que era tua. Nela reencontras as mesmas caras, nos mesmos cafés e nas mesmas lojas de velharias. Velharias eram também os prédios, antes de serem vendidos como antiguidades. São eles que revestem as paredes da tua recordação da rua, impelindo os teus passos na mesma direcção de sempre. Relembras o chão, que os teus pés sabem de cor, com as suas cicatrizes, as suas rugas e os sinais junto à porta.
Revês, na memória, a tua casa, que já não é tua. Contaram-te que está diferente, que cresceu por dentro. Imaginas que se transformou naquilo que sonhaste, grávida das esperanças que um dia projectaste nela. Como órgãos, todos os espaços se reorganizaram para acomodar mais uma vida. Juntou-se o que estava separado, era tudo demasiado distante, está mais acolhedora assim.
Reconheces, ao fundo, a luz do logradouro que era teu. Onde o tempo parava quando olhavas com atenção a forma perfeita das folhas e das flores e dos frutos, como magia nas tuas mãos. Revês, na lembrança, as cores vibrantes, ao sol, de tudo o que te deu.
Reencontras, por fim, a família que fizeste tua… O sorriso à porta, o olhar enternecido, a incredulidade, a expectativa. O riso de criança a preencher finalmente o espaço, grande demais para ti. A ilusão, a emoção escondida quando deixaste de te sentir sozinha.
Podes regressar sempre a essa casa, nas memórias ela é para sempre tua. Mas agora, é hora de fechar a porta e subir a rua.