O céu da cidade é rasgado pelos gritos das gaivotas, o ar atravessado pelas suas asas com lembranças de mar.
Habitam nos telhados, a geografia cerâmica de colinas e vales que ondula acima das nossas cabeças, polvilhada de musgo e flores, banhada pelo sol até muito depois de a luz se extinguir nas ruas. É como se fosse outra cidade, cor de laranja velho, povoada por lanternins e chaminés e pelas conversas estridentes dos seus habitantes alados. É lá que constroem os ninhos, protegidos do vento pelas claraboias e pelas águas furtadas.
O piar agudo das gaivotas bebés perfura os telhados e as mães voam em círculos sobre eles, defendendo-as dos balões de S. João e outros inimigos imaginários. Caminham desajeitadamente, seguidas pelos filhos ainda jovens, que tropeçam nas cumeeiras e escorregam desastradamente pelas encostas forradas a telha.
Mas, quando abrem as asas, uma promessa de horizonte prende o nosso olhar. Como se, seguindo o seu voo longo, nos transportassem para fora das ruas estreitas da cidade e nos elevassem acima dessa topografia cerâmica, em direcção à imensidão azul do mar.