A minha rua não tem charme. Não tem papeleiras com design, nem árvores ginkgo biloba, nem passeios largos em calçada portuguesa ou microcubo de granito. Tem lojas de mobílias usadas com candeeiros a imitar Lalique e montras com soutiens de poliester almofadados e sapatos com apliques dourados espalhados pelo chão de tijoleira. De manhã, os automóveis espantam as pombas pousadas nos paralelos da estrada e ao fim da tarde enchem-na com o barulho e com o fumo que sai dos tubos de escape… Mas às vezes, há uma carrinha que estaciona em frente ao café e quando a porta se abre, sente-se o cheiro doce e quente dos bolos e dos pastéis de nata, dos croissants de chocolate e dos doces de ovos, que reluzem dentro da mala, como ouro dentro de uma arca.
A verdade, é que não é assim muito limpa, a minha rua. Os sacos de lixo amontoam-se à porta das ilhas e à noite as gaivotas e os cães espalham os restos de comida nos quadrados de cimento do passeio. Ao domingo de manhã, há garrafas de cerveja e de vinho esquecidas nas soleiras das portas… Mas uma vez ouvi os lixeiros assobiar em, enquanto recolhiam os sacos, o que parecia ser a versão em câmara lenta da música do filme A Ponte do rio Kway.
Também não é trendy, nem cosmopolita, nem sexy, a minha rua… Mas tem algumas tasquinhas onde servem bom vinho e comida caseira e há quem jure que, numa delas, a cozinheira, vista de relance no ecrã do passa pratos, é igualzinha à Penélope Cruz.
Mas, na realidade, não é propriamente bem frequentada, a minha rua. Os bêbados dormem encostados às casas abandonadas e os sem abrigo fazem fila à porta do albergue. De vez em quando pegam-se uns com os outros, aos berros e à pancada… Mas, um deles, já de idade, de fato e camisa amarrotados e olhos colados no chão, cede-me sempre a passagem, quando nos cruzamos no passeio estreito.
A verdade é qque é bastante deprimente, a minha rua. Principalmente nas manhãs chuvosas de inverno em que as paredes escorrem água e o céu e o chão são cinzentos e escuros… Mas hoje, o sem abrigo que um dia fechou a porta de minha casa quando me esqueci dela aberta, gritou-me do outro lado do passeio, ainda de cobertor na mão:
_’Ânimo!’